Introdução
As novas ideologias políticas, econômicas e sociais, vieram intervir na sociedade do século XIII. A influência das revoluções francesa e industrial e do pensamento liberal se deu em todos os campos, e a própria literatura mostra essas influências. A liberdade sobrepuja as regras, a razão predomina sobre a emoção. Instaura-se um novo modo de expressão em toda a Europa e, conseqüentemente em Portugal.
Conceito
O Romantismo designa uma tendência geral da vida e da arte, um certo momento delimitado. O comportamento romântico caracteriza-se pelo sonho, pelo devaneio, por uma atitude emotiva, subjetiva, diante das coisas. Afinal, o pensamento romântico vai muito além do que podemos ver; procura desvendar o que estamos sentindo. O Romantismo não conta, faz de conta, idealiza um universo melhor, defendendo a idéia da expressão do eu-lírico, onde prevalece o tom melancólico, falando de solidão e nostalgia.
Enfim, o ideal romântico, tenta colocar o universo que presenciamos, de forma subjetiva, sendo que a expressão do sentimentalismo não precisa obedecer a nenhuma regra, antes adorada pelos clássicos.
Introdução do Romantismo em Portugal
O advento do Romantismo em Portugal vem apenas confirmar a diluição do Arcadismo.
Portugal é reflexo dos dois acontecimentos que marcaram e mudaram a face da Europa na segunda metade do século XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, responsáveis pela abolição das monarquias aristocratas e pela introdução da burguesia que então, dominara a vida política, econômica e social da época. A luta pelo trono em Portugal dá-se com veemência, gerando conturbação e desordem interna na nação.
Com isso, Almeida Garrett acaba por exilar-se na Inglaterra, onde entra em contato com a Obra de Lord Byron e Scott. Ao mesmo tempo, por estar presenciando o Romantismo inglês, envolve-se com o teatro de William Shakespeare.
Em 1825, Garrett publica a narrativa Camões, inspirando-se na epopéia Os Lusíadas. A narrativa deste autor é uma biografia sentimental de Camões.
Este poema é considerado introdutor do Romantismo em Portugal, por apresentar características que viriam se firmar no espírito romântico: versos decassílabos brancos, vocabulário, subjetivismo, nostalgia, melancolia, e a grande combinação dos gêneros literários.
Características
O Romantismo foi encarado como uma nova maneira de se expressar, enfrentar os problemas da vida e do pensamento.
Esta escola repudiava os clássicos, opondo-se às regras e modelos, procurando a total liberdade de criação, além de defender a "impureza" dos gêneros literários. Com o domínio burguês, ocorre a profissionalização do escritor, que recebe uma remuneração para produzir a obra, enquanto o público paga para consumi-la. O escritor romântico projetava-se para dentro de si, tendo como fonte o eu-lírico, do qual fluía um diverso conteúdo sentimentalista e, muitas vezes, melancólico da vida, do amor e, às vezes, exageradamente, da própria morte. A introversão era característica essencialmente romântica.
A natureza, assim como a mulher, são importantes pontos desse momento. O homem idealizava a mulher como uma deusa, coisa divina e, com isso, retornava ao passado, no trovadorismo, onde as "madames" eram tão sonhadas e desejadas, mesmo que fossem inatingíveis. Ao procurar a mulher de seus sonhos e, então, frustrar-se por não encontrá-la ou, muitas vezes, por encontrá-la e perdê-la, o romântico entrava em constante devaneio. Para amenizar a situação, ao escrever despojava todos os seus anseios, procurando fugir da realidade, usando do escapismo, onde, não raramente, tinha a natureza como confidente. Outra forma de escapismo utilizada era o escapismo pela obscuridade, onde buscavam o bem-estar nos ambientes fúnebres e obscuros. Essas frustrações tidas por amores ou simples desilusões com a vida, provocaram muitos suicídios. Daí a grande freqüência dos temas de morte nos poemas românticos, o que caracteriza o mal-do-século.
Camilo Castelo Branco
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, 16 de Março de 1825 — São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890) foi um escritor português. Camilo foi romancista português, além de cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Foi ainda o 1.º visconde de Correia Botelho, título concedido por o rei D. Luís de Portugal.
Camilo Castelo Branco, um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa contemporânea. Foi iniciado em 1846 na Maçonaria do Norte.
Teve uma vida atribulada que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus escritos literários. Apesar de ter de escrever para um público, sujeitando-se assim aos ditames da moda, conseguiu ter uma escrita muito original.
A Queda dum Anjo
A Queda dum Anjo é o título de um romance satírico de Camilo Castelo Branco, escrito em 1866.
Nele o autor descreve a corrupção de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, Morgado da Agra de Freimas, um fidalgo minhoto camiliano e o anjo do título, quando se desloca da província para Lisboa.
Uma das mais célebres obras literárias escritas por Camilo Castelo Branco descreve de maneira caricatural a vida social e política portuguesa e traz, ainda, um aspecto risível ao tratar, também, do desvirtuamento do Portugal antigo. É uma parábola humorística na qual o protagonista, Calisto, um fidalgo austero e conservador, encarna de maneira satírica o povo português. Ao ser eleito deputado, Calisto vai para Lisboa, onde se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que imperam na capital. Torna-se amante de uma prima distante, Ifigênia, nascida no Brasil, uma relação reprovada pela sociedade puritana portuguesa. Outra atitude que provoca os princípios portugueses é a transição do personagem da posição política miguelista (e de oposição) para a do partido liberal, no governo. Ironicamente, a esposa de Calisto, Teodora, uma aldeã prosaica, imita-o na devassidão e é igualmente corrompida. Ao ser ignorada por Calisto, sucumbe ao prazer da modernidade juntamente com um primo interesseiro com quem passa a ter um relacionamento.
A sátira reside na descrição de personagens corruptos de maneira cômica. A princípio, percebe-se a defesa de uma tese, porém, o autor afrouxa essa idéia à medida que a história vai se configurando. É uma obra que destoa do aspecto ultra-romântico de Camilo Castelo Branco, mas não deixa de pertencer a essa escola literária.
A QUEDA DUM ANJO
Introdução
A narrativa retrata a sociedade portuguesa do século XIX. O romance foi escrito e publicado por volta de 1865, e tem traços autobiográficos do autor.
O ambiente social do Século XIX
O personagem principal, Calisto Elói de Silos Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, é um fidalgo rural, do Portugal profundo. Naquela época, as influências externas eram pouco visíveis; as tradições, os modos de falar e de vestir, os comportamentos, tudo se mantinha tal e qual ao longo de gerações. Em especial na província. Nos grandes centros urbanos – Lisboa e Porto – já não era bem assim; as influências estrangeiras eram facilmente adoptadas, mormente pelas classes elevadas, muitas vezes por questões de estatuto social. E isto facilitava a devassidão dos costumes.
Os personagens
Os personagens caricaturam os tipos humanos que se moviam na cena da época. Por exemplo, Calisto Elói representa o imobilismo cultural. E no entanto, tratava – se dum homem erudito. Lia e admirava os autores antigos, em especial do período clássico, bem como os portugueses mais arcaicos. Conhecia e orgulhava – se dos mais longínquos avós. A erudição e o dom de palavra abriram – lhe portas à carreira política. Presidente da Câmara de Miranda, primeiro; deputado ao Parlamento, a seguir. Calisto casou com uma prima que não devia nada à formosura, D.ª Teodora Barbuda de Figueiroa, morgada de Travanca. Este facto tem importância decisiva no desenrolar dos acontecimentos. Outros personagens: Brás Lobato, professor da instrução primária e concorrente de Calisto à carreira política; o boticário; e outros personagens miúdos como os lavradores da região, que contribuíram para o avanço da carreira política de Calisto. Adiante se referirão outros personagens que vão aparecendo à medida que a acção se desenvolve.
Divisão da obra em atos
Ato I- Cap. I-XIII - O Anjo- pureza na defesa dos costumes, ideais, na linguagem; segue os costumes do séc. XVI.
Ato II- Cap. XIV-XXIII - A Metamorfose- As atitudes de Calisto com Adelaide não coincidem com o que diz. Esta atração transforma-o no vestir, modo de falar, nos seus hábitos, etc. Aqui se prepara a queda: o anjo vai dar lugar a um homem igual aos outros homens (“Qui veut faire l’anje, fait la bête”- Pascal).
Ato III – Cap. XXIV- Conclusão - A Queda- Calisto apaixona-se por Ifigênia, transformando-se radicalmente e dando-se a queda.
D. Teodora vai a Lisboa instigada pelo primo (que gostava dela) e espanta-se com o luxo da casa do marido. No final, Calisto e Ifigênia partem para Paris e D.Teodora fica com o primo.
A função da narrativa camiliana é tirar uma moral. Mas Camilo conclui que desta história não pode tirar moralidades porque a imoralidade de Calisto deixou-o feliz! Contudo, por se ter identificado com o Calisto provinciano e satirizado o Calisto civilizado, exerce uma ação moralizadora, pois critica os podres do Portugal Novo.
Os acontecimentos I – A ascensão
Calisto chegou à Capital e ao Parlamento com o nobre propósito de contribuir com o seu saber para a moralização dos costumes dissolutos que grassavam, segundo a sua opinião. Vestindo à moda de 40 anos antes, apresentou – se no Parlamento. Dotado para a polémica, com dom de palavra, superou o mau aspecto mercê de intervenções que começaram a chamar a atenção, em especial aos parlamentares da oposição. Muito aplaudida e comentada na Imprensa, foi a intervenção que fez sobre a proposta do Dr. Libório de Meireles sobre a reforma das prisões. Refira – se que este Dr. Libório representa um personagem da vida real – o Dr. António Aires de Gouveia, que efectivamente foi autor duma proposta sobre “A Reforma das Cadeias”, e com quem Camilo teve diversas polémicas. Outros episódios houve que lhe granjearam respeito e admiração, mesmo entre os adversários políticos.
Os acontecimentos II – A queda
Como era inevitável, foram as mulheres a causa da queda de Calisto. À semelhança de Camilo. Com 44 anos, influenciado por formosa senhora, filha do desembargador Sarmento, amigo dos primeiros tempos de Lisboa, e bastante mais nova que ele, começou a escrever versos. E pior, queria que ela os ouvisse. Pior ainda: mudou o vestuário, mudou hábitos, mudou de partido, mudou de opiniões. Começou a esquecer e aborrecer a mulher, quase não respondendo às cartas. Mas foi rejeitado. Quis o destino que outra formosa senhora o procurasse, impressionada com os dotes oratórios e a influência de Calisto no Governo, para conseguir uma pensão do Estado. Esta senhora era viúva do general Gonçalo Ponce de Leão, que estivera ao serviço de D. Miguel, e combatera no exército do Imperador do Brasil, D. Pedro II. Estava em graves dificuldades financeiras e achava – se no direito de receber pensão do Estado. Gorada a hipótese do Brasil, pedia socorro a Portugal. Comovido com a situação da pobre senhora, Calisto propôs – se tomar conta dela. Farto que estava da legítima mulher, utilizou recursos do casal para pôr casa a D.ª Ifigénia (assim se chamava ela), o que motivou irada reacção da legítima quando tal soube, através do antigo adversário político de Calisto, o mestre-escola Brás Lobato. A história termina com a consumação dos laços entre Calisto e Ifigénia, bem como entre Teodora e um outro primo – Lopo de Gambôa – que lhe lançou a vista mal soube do desprezo que Calisto lhe votava. E assim acaba o romance: duas traições, o desfazer da sólida casa dum fidalgo à antiga, convertido aos novos costumes e reduzido à condição de simples mortal, frágil como os outros homens.
Análise de «A Queda dum Anjo»
Este conhecido romance satírico camiliano tem interesse por variados motivos: dá-nos um quadro dos costumes político-sociais da época, oferece-nos no retrato satírico do protagonista um símbolo do Portugal velho que perde antigas virtudes ao modernizar-se um pouco à pressa e possui em alto grau vigor e vernaculidade de linguagem.
a) Ação.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, é um típico fidalgo transmontano que se esqueceu de acompanhar o progresso. Casado por interesse com a morgada de Travanca, D. Teodora Barbuda de Figueiroa, nunca soube o que era amor; veste à moda antiga; estuda só autores clássicos anteriores a D. Francisco Manuel de Melo, ficando impermeável às doutrinas iluministas; e até pensou ressuscitar a legislação dos forais velhos para governar a Câmara de Miranda, no único dia em que ocupou a presidência.
Numas eleições é escolhido para representar a sua terra no Parlamento, onde pensa lutar pela redução ou até extinção dos impostos. Antes de partir para a Capital, estuda noite e dia os seus velhos alfarrábios e exercita-se na arte de dizer, qual outro Demóstenes, nas margens fragosas do Douro.
Calisto, ainda na sua terra, lera várias descrições de Lisboa, todas anteriores ao terremoto. Não sabia que a cidade tinha mudado muito. Uma vez na Capital, guiando-se pelos desatualizados «in folio», vai à procura de chafarizes monumentais que os livros descreviam em ruas há muito enterradas. Sujeitou-se a ouvir dizer a meia voz: «este homem parece que tem uma cavalgadura magra no corpo...».
No Parlamento, Calisto tornou-se logo notado por falar com rude franqueza, numa linguagem terra a terra. Atacou os juramentos hipócritas, os subsídios concedidos ao teatro, a mania do luxo, etc. A isto chama Camilo «virtuosas parvoiçadas». Os deputados riam.
Teve que se haver com um membro das Cortes, o Dr. Libório Meireles. Este orador liberal usava um estilo barroco, campanudo, melífluo, oco. Calisto dizia não o entender e, em determinada ocasião, ao criticar certa expressão do deputado portuense, desabafou: se o termo fosse parlamentar, eu diria farelório!
Camilo, que põe na boca do Dr. Meireles alguns excertos da obra do Dr. Aires de Gouveia A Reforma das Prisões, satiriza com verve a oratória parlamentar do tempo.
O morgado de Freimas, dentro e fora das Cortes, é um dedicado na moralidade: continua a vestir ridiculamente, mostra-se um fiel realista, critica a leitura de romances franceses, não fuma e continua fiel ao seu rapé. Converte até a adúltera Catarina, filha do seu anfitrião, o comendador Sarmento.
Mas, um dia, olhou para a irmã desta, Adelaide. O coração de Calisto descobriu que nunca tinha amado. E ei-lo, do dia para a noite, todo romântico. Começa por mudar de roupas, vai fazendo uns versinhos corteja a rapariga.
Adelaide repudiou o amor do homem casado, que pouco antes pregara um sermão a uma adúltera. Mas aconteceu vir visitar o desconsolado Calisto a jovem viúva do general Ponce de Leão: brasileira, loira, com trinta anos e a mendigar uma pensão. O morgado, para começar, descobriu parentescos afastados entre os Barbudas e os Ponce de Leão e vá de chamar-lhe «prima». Depois montou-lhe casa.
A transformação que se operou no deputado foi espantosa: deixou crescer o bigode e cavanhaque, vestia pelo último figurino, esqueceu a esposa Teodora, gastou dinheiro a rodos, passou-se para a oposição, separou-se definitivamente da mulher, o demônio.
Camilo, depois de satirizar os fidalgos que pararam o relógio da cultura nos fins do século XVII, verbera com aspereza a oratória parlamentar do tempo, a hipocrisia dos políticos e fidalgos, a perversão dos meios citadinos, a caça às condecorações e comendas, etc.
b) Personagens.
•Narrador: Assume diferentes papéis. Assim, tem várias vozes: a de narrador onisciente (conhece o que se passou e o que se irá passar), mas participante (ora faz comentários ora se distancia); narrador-autor, sempre que se refere a pormenores do romance, narração ou quando se identifica com Calisto; narrador-biográfico, na medida em que Camilo, ao descrever Calisto, se descreve a si próprio e também na leitura de clássicos, daí simpatizar com o protagonista; a de narrador-cronista, dado que parte de dados reais para a ficção. Este jogo do narrador tem um ponto comum: a ironia.
Calisto Elói. É o protagonista, herói da novela. Conservador, símbolo do Portugal Velho. Homem erudito, assíduo leitor dos clássicos (baseia todo o seu comportamento nos livros, o q confere comicidade à novela), defensor dos valores da moral antiga, bem como do uso duma linguagem vernácula, simples, sem estrangeirismos (como Camilo, notando-se melhor essa semelhança nas sessões parlamentares quanto à linguagem, mas também às opções políticas), avesso à modernização. Daí condenar os luxos excessivos, os fundos para os teatros, a literatura moderna, nomeadamente a francesa e a aparência ridícula. Mas é também um homem ingênuo, puro e sincero, despertando assim no leitor uma certa simpatia. Calisto vai sendo engrandecido, para que a sua queda cause maior impacto. Por causa do amor, muda: muda a aparência física, vira-se para o futuro, aberto à modernização, à literatura moderna, simbolizando o Portugal Novo. Cai o anjo para a categoria de homem, deixando de se identificar com o autor. É uma personagem modelada, em função da qual todas as outras se movimentam e a partir dele que se desenrola a ação.
É um tipo de fidalgo ferozmente tradicionalista, que se moderniza e perverte ao mergulhar na vida da cidade, que ignorava. Dotado de formação intelectual anacrônica e defasada da realidade, apoiada numa excessiva credulidade em alfarrábios desatualizadissimos, é ele o «anjo» (em Trás-os-Montes e nos primeiros tempos da estadia em Lisboa) que dá uma estrondosa «queda» na Capital. O convívio com uma bela mulher e um curto arejamento de civilização em Paris levaram-no a modificar de alto a baixo o modo de trajar, os costumes sóbrios, a ideologia política e até o estilo oratório (antes de feição rude e direta, causando ora admiração ora zombaria pela franqueza e desassombro, depois melífluo e incolor).
Há quem diga que esta personagem é um decalque imaginoso de um Teixeira da Mota, fidalgo de Celorico que, eleito deputado, se transformou em Lisboa num libertino de primeira ordem.
Teodora. Mulher provinciana, pouco interessante, sem graça, rude, banal, com uma linguagem proverbial, apenas preocupada com a lida da casa e a lavoura. Sofre alterações (apenas a aparência e parte da moral), pois se entrega a uma relação ilícita, mas a ignorância inicial não desaparece. Esposa de Calisto, «ignorante mais que o necessário para ter juízo» (cap. 1), é uma prosaica fidalga rural. Após a «queda» do marido, para quem pouco mais tinha sido do que mulher de trabalho, também ela caiu, mesmo sem abandonar a província, ligando-se oportunamente a um primo interesseiro.
Dr. Libório Meireles. Deputado com um discurso oco, cheio de floreados e sem sentido. Plagia o Dr. Aires, não o confessando. Tem como função realçar Calisto. Simboliza o Portugal Novo, fraco, destituído de sentido. Daí o discurso de Calisto depois da queda ser parecido com o desta personagem. O «Doutor do Porto», com quem Calisto embirra solenemente nas Cortes, é uma espécie de orador parlamentar balofo, palavroso, afetado, formalista. Afirma-se que nesta personagem pretendeu Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de Gouveia, lente, ministro e par do Reino.
Ifigênia. É uma atraente brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão, que se aproxima de Calisto a pedir os seus préstimos no intuito de obter uma pensão em atenção aos serviços prestados à Pátria pelo defunto marido. Nela descobre o faro genealógico de Calisto uma «prima» que, num abrir e fechar de olhos, se transforma na sua «mulher fatal».
•Abade de Estevães: Estabelece a ligação entre Calisto e os outros deputados. Adota uma confortável posição neutra nos males sociais e políticos.
Brás Lobato: mestre-escola, com uma falsa erudição associada ao oportunismo. Homem provinciano faz figura na terra, mas em Lisboa torna-se cômico pela sua ignorância.
D. Catarina Sarmento: pers. romântica. Envolvida de amores com D. Bruno Mascarenhas, cedo se arrepende (intervenção de Calisto) e nunca confessa ao marido. Lia literatura moderna francesa (Balzac), notando-se aqui uma insinuação do narrador quanto às más influências que tais leituras lhe causam.
•D. Adelaide: noiva de Vasco da Cunha. Reconhecida a Calisto por ter salvado o casamento da irmã, Adelaide dedica-lhe a sua amizade e logo Calisto se enamora dela. É importante na medida em que é a força que desencadeia em Calisto um sentimento até aí desconhecido – o Amor
c) O espaço e o tempo.
O espaço físico d' A Queda dum Anjo é constituído por uma aldeia transmontana do termo de Miranda (Caçaremos) e por Lisboa. Este espaço físico reveste-se de características inconfundíveis que sem dificuldade o transformam em espaço social: Caçarelhos é a terra provinciana atrasada, impermeável ao progresso, estrangulada por costumes quase medievais;
Lisboa é a cidade que desperta tardiamente e procura modernizar-se um pouco à sobreposse, sofrendo uma notória e perniciosa degeneração de costumes ocasionada por um processo civilizatório eivado de materialismo que a Regeneração favorecia.
O tempo da narração — «hoje» (cap. 1) — coincide com o ano civil de 1864. O tempo da história é anterior. Calisto nasceu em 1815 (cap. 1), casou por volta dos vinte anos (cap. 1), talvez cm 1835, ocupou a presidência da Câmara de Miranda em 1840 (cap. 1), veio para as Cortes em fins de Janeiro de 1859 (cap. 4), e aí permaneceu durante um treino. E neste treino que se desenrola a ação fulcral da novela.
Outras referências expressas ao tempo: «noite de Abril» (cap. 21), «fecharam as câmaras» (cap. 25), «pleno estio» (cap. 26), «dois meses depois de fechado o parlamento» (cap. 27), «Outubro daquele ano» (cap. 32), «abriram-se as câmaras» (cap. 33), - decorreram alguns meses... fechado o treino da legislatura».
O estilo
Mais uma vez, Camilo prima pela economia da narração, sendo as poucas descrições presentes um complemento das situações narradas (ex.: descrição de Calisto acentua as suas características). Camilo utiliza vários níveis de língua, de acordo com as personagens e contextos em que se inserem: nível cuidado, ligado a Calisto, no Parlamento, quando se utilizava todos os artifícios da retórica; nível normal, ligado ao narrador, espaço e personagens lisboetas; nível popular, discurso de Teodora, retratando a sua vulgaridade; nível familiar, nas cartas de Calisto e Teodora. Assim, Camilo imprime o ritmo conveniente à ação. É trabalhando sabiamente a Língua que confere um notável dinamismo à sua novela. Utiliza também dicotomias: Portugal Velho/Portugal Novo e anjo/homem.
A ironia camiliana
Permite uma grande imobilidade no interior da narrativa. O narrador participa ou afasta-se, exagera a ironia ou torna-a subtil, hipérboles situações tornando-as cômicas, destaca o que lhe interessa, enfim, domina o universo ficcional. Para tal, utiliza:
. auctorictas – Calisto Elói tem uma cultura livresca clássica e acredita piamente no que dizem os livros, mesmo que estes tenham já quase 200 anos e estejam defasados da realidade (ex.: água da fonte e a contradição com a realidade de Lisboa, que resulta num cômico constante).
. Autocrítica – por vezes Camilo ri-se dos seus próprios temas e artifícios que usa.
. Toponímia e onomástica (nomes próprios)- tem por vezes efeitos cômicos (Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda; Ifigênia Ponce de Leão; o próprio título A Queda de um Anjo).
Nesta novela há vários níveis onde se processa a crítica social. Num 1º plano, temos a crítica da vida portuguesa da época da Regeneração. É pelos olhos de Calisto que o narrador nos mostra a miséria moral e intelectual do novo mundo político lisboeta, em que o liberalismo produz má fé e muito oportunismo. É de salientar que no 1º plano o narrador (depois de nos fazer identificar com Calisto e o mostrar a cometer os erros que condenara) preocupa-se em manter a nossa simpatia pelo anjo que desceu ao chão, tornando-nos assim cúmplices de Calisto. Durante a transformação de Calisto, dá-se o 2º plano da crítica – a uma dada concepção de literatura e da sua função na sociedade moderna. Nesta época, o seu público é conhecedor dos folhetins e romances franceses. Por isso ele não tem qualquer ilusão sobre o papel da literatura na correção dos vícios – apenas na manutenção dum bom padrão lingüístico.
As intensões críticas da obra
1.A ignorância dos morgados e o atrazo em que vive o interior do país;
2.O casamento por interesse, causa de frustrações afectivas;
3.O passado, tempo de virtudes fundamentais, mas incapazes de fermentar o presente;
4.O tempo da regeneração, tempo de algum progresso, mas também de muita corrupção;
5.O desfasamento entre o discurso de "caça aos votos" e a prática parlamentar;
6.A defesa da língua portuguesa;
7.O valor positivo da sexualidade: o amor, assumido pessoalmente, é fecundo e agente de transformação;
8.Destruição do conflito milenar entre o prazer amoroso e o pecado/remorso.
Resumo da História
Calisto Elói, morgado da Agra de Freimas, vive em Caçarelhos com sua mulher, D. Teodora de Figueiroa, e com os seus livros clássicos, cuja leitura é o seu entretenimento preferido. Tendo sido eleito deputado, vai para Lisboa, disposto a lutar contra a corrupção dos costumes. Faz furor no parlamento com os seus discursos conservadores, apoiados na sua cultura livresca (mostrando aí o domínio da oratória), causando espantadas relações. Defende principalmente o bom uso da língua portuguesa e combate o luxo e os teatros.
Ao longo da narrativa, na sua defesa da moral dos bons costumes antigos, a sua figura vai evoluindo até atingir um clímax. Logo após, inicia-se a queda. Esta consiste essencialmente na transformação total do herói, que adquire os costumes modernos que tanto condenava. Inicia uma relação ilícita com D. Ifigênia Ponce de Leão, com quem acaba por viver maritalmente e de quem tem dois filhos. Por seu lado, D. Teodora, vai depois também viver com seu primo, Lopo de Gamboa, de quem tem um filho.
Tempo e Espaço
Quer um quer o outro não são muito relevantes nesta novela. O tempo é linear, acompanhando a evolução do protagonista. O espaço resume-se apenas aos espaços em que o herói se move: Caçarelhos e Lisboa, sem haver muitas descrições. O tempo da narração não coincide com o tempo da história (que é linear), i.e., a narração é feita 5 anos depois da história.
Antes da queda, o tempo da narração aproxima-se do tempo da história, pois o narrador quer salientar aspectos de Calisto. Assim, no parlamento, o tempo da narração aproxima-se do da história, ambos lentos. No resto da narrativa, o tempo da narração é superior ao da história. Depois da queda, o tempo da história é superior ao da narração. Os acontecimentos reflectem o fluir do tempo, sendo por isso mais rápidos que antes.
Quanto ao espaço, antes da queda, Calisto movimenta-se em Caçarelhos e Lisboa (seu quarto, parlamento e casa do desembargador Sarmento). Depois da queda, há uma diversificação espacial: Lisboa (Teatro,, Hotel), Sintra (hotel e casa de Ifigênia), Caçarelhos (casa). Cada lugar é simbólico: Caçarelhos é o Portugal Velho, Lisboa, o do progresso, Sintra, o do idílio amoroso, i.e., o espaço romântico. Por fim, no último capítulo, dá-se uma condensação do tempo: o narrador acelera o tempo, conta o que sabe do destino das personagens. Aqui, o tempo da história avança muito mais que o da narração.
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