MOISÉS, Massaud. A literatura Brasileira através dos Textos. 2.ed.. São Paulo: Cultrix, 1973. p.318-324.
Texto proveniente de:
Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
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Alphonsus de Guimarães
Mineiro de Ouro Preto, Afonso Henriques da Costa Guimarães adotou o nome poético de Alphonsus de Guimaraens por acha-lo mais musical e, por essa razão, combinar melhor com a proposta simbolista da musicalidade dos versos. Aos dezesseis anos ele se apaixonou por sua prima Constança, filha do autor romântico Bernardo Guimarães (A Escrava Isaura). Com a morte prematura de Constança (14 anos), Alphonsus de Guimaraens passa a escrever poemas simbolistas tematizando a noiva morta e uma autocomiseração bastante intensa. Além dessas temáticas, fez muitos poemas religiosos em homenagem a Nossa Senhora, figura religiosa que substitui a paixão concreta, que transcendentaliza a mulher amada morta.
Principais Obras
• Septenário das Dores de Nossa Senhora (1889) – quarenta e nove poemas divididos em grupos de sete, homenageando cada uma das sete dores que Nossa Senhora teria sentido ao longo de sua vida.
• Dona Mística (1899)
• Kiriale (1902)
“Ossea Mea” (Meus Ossos ou Meu esqueleto), poema transcrito a seguir, exemplifica parte da poesia de Alphonsus de Guimaraens porque apresenta uma visão do sobrenatural, de uma realidade mística e porque mostra que o poeta vê muito além das aparências do mundo real. É interessante você observar o vocabulário claramente simbolista e a sinestesia que domina quase todos os versos.
Ossa Mea
I
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...
A obra poética de Alphonsus de Guimarães bate somente em três teclas: morte da amada, pena de si mesmo e religiosidade, porém, existem algumas exceções como o poema “Cabeça de Corvo” em que o poeta tematiza o próprio ato de escrever (metalinguagem). O tom do poema é de penumbra e de vaguidade próprias do Simbolismo, e lembra o autor romântico norte-americano Edgard Allan Poe em “The Raven” (O Corvo). Aliás, esse escritor americano é tido como o precursor do Simbolismo.
CABEÇA DE CORVO
Na mesa, quando em meio à noite lenta
Escrevo antes que o sono me adormeça,
Tenho o negro tinteiro que a cabeça
De um corvo representa.
A contempla-lo mudamente fico
E numa dor atroz mais me concentro:
E entreabrindo-lhe o grande e fino bico,
Meto-lhe a pena pela goela adentro.
E, solitariamente, pouco a pouco,
Do bojo tiro a pena rasa em tinta ...
E a minha mão, que treme toda, pinta
Versos próprios de um louco.
E o aberto olhar vidrado da funesta
Ave que representa o meu tinteiro,
Vai-me seguindo a mão, que corre lesta,
Toda a tremer pelo papel inteiro.
Dizem-me todos que atirar eu devo
Trevas em fora este agourento corvo
Pois dele sangra o desespero torvo
Destes versos que escrevo.
O poema seguinte – “Ismália” – é certamente um dos mais populares de Alphonsus de Guimaraens e tematiza a loucura como uma forma de executar o que a louca mulher deseja: ir para a lua; então, ao ver o astro noturno refletido no mar, atira-se nele e ... morre.
Ismália
VII
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
As duas estrofes seguintes fazem parte do poema “A Catedral” em que Alphonsus de Guimaraens “descreve” uma catedral toda iluminada pelo sol e que, aos poucos, vai tomando cores escuras. O estribilho do poema são os sinos tocando a autocomiseração do poeta.
A CATEDRAL
Entre as brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol
E o sino canta em lúgubres responsus:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!
(...)
O céu é todo trevas; o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
Pulcra ut Luna
II
Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
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Tu que embora na terra do céu vieste?
Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.
Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.
E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.
Árias e cançoes
III
A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo. As portas,
Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,
Brilham do luar à Luz celeste e clara.
Como em órbitas de fatais caveiras
Olhos que fossem de defuntas freiras,
Os astros morrem pelo céu pressago...
São como círios a tombar num lago.
E o céu, diante de mim, todo escurece...
E eu nem sei de cor uma só prece!
Pobre Alma, que me queres, que me queres?
São assim todas, todas as mulheres.
Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.
De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.
Os poentes sepulcrais do extremo desengano
Vão enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.
Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente...
Terceira dor
IV
P. Sião que dorme ao luar.
Vozes diletas Modulam salmos de visões contritas...
________________________________________
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.
As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.
As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungüentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas...
Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.
Cisnes Brancos
V
Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da montanha onde morre a tarde.
O cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.
Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.
Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob as asas,
A alma cheia de ladainhas.
O cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago de alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...
VI
Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.
Foram-se as brancas horas sem rumo.
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.
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Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram : – Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!
Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.
1 comentários:
O que um bom post. Eu realmente gosto de ler esses tipos ou artigos. Eu não posso esperar para ver o que os outros têm a dizer.
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