Simbolismo
A partir de 1881, na França, poetas, pintores, dramaturgos e escritores em geral, influenciados pelo misticismo advindo do grande intercâmbio com as artes, pensamento e religiões orientais - procuram refletir em suas produções a atmosfera presente nas viagens a que se dedicavam.
Marcadamente individualista e místico, foi, com desdém, apelidado de "decadentismo" - clara alusão à decadência dos valores estéticos então vigentes e a uma certa afetação que neles deixava a sua marca. Em 1886 um manifesto trouxe a denominação que viria marcar definitivamente os adeptos desta corrente: simbolismo.
Principais características
Subjetivismo
Os simbolistas terão maior interesse pelo particular e individual do que pela visão mais geral. A visão objetiva da realidade não desperta mais interesse, e, sim, está focalizada sob o ponto de vista de um único indivíduo. Dessa forma, é uma poesia que se opõe à poética parnasiana e se reaproxima da estética romântica, porém, mais do que voltar-se para o coração, os simbolistas procuram o mais profundo do "eu" e buscam o inconsciente, o sonho.
Musicalidade
A musicalidade é uma das características mais destacadas da estética simbolista, segundo o ensinamento de um dos mestres do simbolismo francês, Paul Verlaine, que em seu poema "Art Poétique", afirma: "De la musique avant toute chose..." (" A música antes de mais nada...") Para conseguir aproximação da poesia com a música, os simbolistas lançaram mão de alguns recursos, como por exemplo, a aliteração, que consiste na repetição sistemática de um mesmo fonema consonantal, e a assonância, caracterizada pela repetição de fonemas vocálicos.
Transcendentalismo
Um dos princípios básicos dos simbolistas era sugerir através das palavras sem nomear objetivamente os elementos da realidade. Ênfase no imaginário e na fantasia. Para interpretar a realidade, os simbolistas se valem da intuição e não da razão ou da lógica. Preferem o vago, o indefinido ou impreciso. O fato de preferirem as palavras névoa, neblina, e palavras do gênero, transmite a idéia de uma obsessão pelo branco (outra característica do simbolismo) como podemos observar no poema de Cruz e Sousa:
"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras..."
Dado esse poema de Cruz e Sousa, percebe-se claramente uma obsessão pelo branco, sendo relatado com grande constância no simbolismo
Literatura do simbolismo
Os temas são místicos, espirituais, ocultos. Abusa-se da sinestesia, sensação produzida pela interpenetração de órgãos sensoriais: "cheiro doce" ou "grito vermelho", das aliterações (repetição de letras ou sílabas numa mesma oração: "Na messe que estremece") e das assonâncias, repetição fônica das vogais: repetição da vogal "e" no mesmo exemplo de aliteração, tornando os textos poéticos simbolistas profundamente musicais.
O Simbolismo em Portugal liga-se às atividades das revistas Os Insubmissos e Boêmia Nova, fundadas por estudantes de Coimbra, entre eles Eugênio de Castro, que ao publicar um volume de versos intitulado Oaristos, instaurou essa nova estética em Portugal. Contudo, o consolidador estará ha esse tempo, residindo verdadeiramente no Oriente - trata-se do poeta Camilo Pessanha, venerado pelos jovens poetas que irão constituir a chamada Geração Orpheu. O movimento simbolista durou aproximadamente até 1915, altura em que se iniciou o Modernismo.
CAMILO PESSANHA
VIDA: O maior poeta da geração simbolista em Portugal, Camilo D’Almeida Pessanha, nasceu em Coimbra, em 1867, mas viveu grande parte de sua vida em Macau, na China, para onde partiu em 1894. Fixou residência em Macau em 1916, mas vez por outra visitava seu país natal. Veio a falecer naquela cidade do Oriente
em 1926. Camilo Pessanha escreveu uma poesia cheia de sugestões e abstrações, bem ao gosto do estilo simbolista. A preocupação do poeta simbolista não estava em descrever objetivamente uma situação ou cena, e sim evocar os sentimentos e as sensações que elas podem transmitir. As imagens que descreve são bastante fragmentárias, até surreais, como que desordenadas, evocando sonho e eternidade, por isso o uso constante de fortes adjetivos, de substantivos abstratos ou alegorias. A temática mais freqüente na obra de Pessanha foi a da transitoriedade do tempo e da efemeridade das coisas e da vida. Usou como metáfora mais freqüente para ilustrar essa temática a imagem da água como elemento fugidio, que corre como o tempo corrente, inexorável. Não é à toa que a obra-prima desse poeta foi o livro Clepsidra, nome de um relógio de água usado na antiguidade. Essa obra, publicada em 1920, foi um marco dentro da Literatura Portuguesa por trazer uma nova visão sobre as coisas, e de maneira bem forte. Se Antônio Nobre foi quem inaugurou a poesia simbolista em Portugal, foi por sua vez Pessanha com seu Clepsidra a maior expressão desse estilo nas letras portuguesas, dada a profundidade e consistência dessa obra.
Clepsidra, de Camilo Pessanha
Em Clepsidra, Camilo Pessanha distancia-se de uma situação concreta e pessoal, e sua poesia é pura abstração.
Clepsidra, título simbólico, que se refere a um instrumento de medição do tempo dado na Grécia aos oradores, instrumento do tipo da ampulheta, mas no qual corria água. Foneticamente o título lembra igualmente "hidra", o monstro devorador. O título aponta, assim, para a fragilidade da vida e da condição humana, para o fluir inexorável do tempo, que não deixa que nada se fixe na retina (poema Imagens que passais pela retina). Ora são estes os grandes temas da obra: a efemeridade de tudo quanto passa, a perda, a inutilidade do que se faz ou vive.
Intimamente relacionado com estes temas estão o da desistência e soçobramento, como sentimentos; o receio ou náusea pela consumação dos desejos; a apatia contemplativa e a abulia (incapacidade de querer); a realidade vista como ambígua; a importância da música. Por outro lado, trata-se de uma poesia intelectual que se debruça sobre a problemática do conhecimento - o homem só atinge os fenômenos, as aparências do real, e não a essência, o verdadeiro real; o homem só pode dispor de coisas mutáveis, indefinidas, inconsistentes, fugidias.
O livro foi publicado em 1920 sob os cuidados editoriais de Ana de Castro Osório, por quem o poeta se enamorou.
Poema escolhido:
Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
- Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias -,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,
As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,
Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,
Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.
POEMA COMENTADO
PASSOU O OUTONO JÁ, JÁ TORNA O FRIO...
— Outono de seu riso magoado.
Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado...
— O sol e as águas límpidas do rio.
Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?
Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando...
Onde ides a correr, melancolias?
— E, refratadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias...
álgido: extremamente frio
COMENTÁRIOS
1. Na primeira estrofe, o sujeito lírico diz já ter passado o Outono, e retornado o inverno com o seu intenso frio. E esse inverno deixa geladas as águas límpidas do
rio e até o sol. No segundo verso o eu-lírico se dirige a alguém, ao dizer que no Outono havia o riso, mesmo magoado desse alguém, que depois vamos perceber que é uma mulher.
2. Há algo que deve ser destacado: note que o outono se inicia com maiúscula no poema. Tal recurso, muito comum na poesia simbolista, intensifica a metáfora e a alegoria contidas numa palavra. Por isso podemos dizer que o Outono aqui é bem mais que uma das quatro estações da natureza: ele simboliza um período menos triste na vida do eu-lírico. Sendo assim, o frio (ou o inverno) não será apenas um estado do tempo: ele simboliza, ou reflete, o mau estado de alma do eu-lírico, um estado de intensa tristeza e melancolia.
3. No começo da segunda estrofe o eu-lírico fala mais duas vezes das “águas do rio”. Essa repetição não é à toa: ela serviu tanto para reforçar a imagem do rio como cenário principal do poema, quanto para demarcar um elemento da natureza constante na poesia de Pessanha, que são as águas, correntes e fluídas como são as de um rio. O eu-lírico pergunta, apreensivo, para essas águas que fogem do seu olhar (pois não podem ser aprisionadas), onde elas o levarão. E ao perguntar “Aonde vais, meu coração vazio?” é como se ele fizesse uma analogia entre as águas frias que escorrem fugidias e o seu coração vazio.
4. Então o sujeito lírico pede ao menos que fiquem (não sumam com o correr das águas) os cabelos flutuantes e os olhos “abertos e cismando” da mulher que está
flutuando no rio.
5. Na última estrofe, ele pergunta para onde estão a correr as melancolias. Tal estado de alma parece ser o único presente tanto no ambiente externo, na paisagem, quanto no ser desse eu lírico; é como se as águas do rio levassem consigo (não se sabe para onde) apenas os maus sentimentos. Por fim, o eu lírico diz que as mãos da mulher estão refratadas (que pode significar tanto refletidas quanto em uma mudança de direção), “longamente ondeando” no rio. Diz também que as mãos dela estavam “translúcidas [=diáfanas, pálidas] e frias”, e é com esses adjetivos que o poeta sugere que a mulher estava morta.
6. É bom notar aqui outra característica marcante tanto da obra poética de Pessanha quanto do estilo simbolista: a sugestão, adquirida neste poema
especialmente pela fragmentação das imagens e pela técnica de não explicitar fatos ou situações. Só em um momento sabemos que se trata de uma mulher que flutua no rio, em “Ficai, cabelos dela, flutuando”. Não há menção direta de que ela está morta (só fica mais sugerido nos versos finais). O ambiente não é descrito muito claramente — apesar de ficar bem forte em nós a sensação de que tanto a paisagem quanto o estado de espírito do eu lírico são opressivos, carregados. Tal efeito é obtido principalmente pelos adjetivos (cansado, vazio, vão (inútil), álgido), e com esses adjetivos, as demais caracterizações acabam tornando-se também negativas (águas fugidias, mãos frias).
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